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 3. O professor

Os (novos) papéis dos professores na implementação da ETP

3.a. Os papéis dos professores em diferentes culturas

Uma descrição breve e mais ou menos estereotipada do papel do professor nos nossos países mostra-nos que este pode ser muito diferente e que a relação professor – aluno varia de acordo com a cultura e as suas especificidades.

Hofstede[1], um conhecido sociólogo no domínio da comparação de culturas, afirma que o papel do professor nas culturas está fortemente relacionado com o modo como a sociedade cultiva a distância nas relações. Por distância nas relações entendemos o tipo de relação entre pai e filho, patrão e trabalhador ou professor e alunos/jovens/estudantes.

Quanto mais informalmente se relacionarem, mais iguais se sentem, mais negoceiam tarefas e actividades, mais se discute. A ordem na sala de aula é ruidosa (com fases calmas). Quanto mais formal a relação, mais manda o pai, o professor, o empregador sobre o que deve acontecer. A discussão é um fenómeno que raramente acontece. As aulas são calmas. O professor ensina. Há distância, há respeito — muitos dirão.

O resultado de ambas as formas de lidar com os problemas é o de que, no primeiro caso, professor e alunos discutem as tarefas e chegam a acordo sobre o que vai acontecer. Ambas as partes se comprometem com a tarefa e especialmente as crianças — através desse compromisso — interiorizam a tarefa. No segundo caso, o professor é a autoridade que sabe o que é melhor para os alunos e eles confiam nele. Desenvolvem a tarefa porque o professor manda.

Isto implica que o professor diga como se resolve o problema, pois uma experiência de séculos nos ensina que esse é o melhor caminho. No primeiro caso, as crianças descobrem coisas que os professores e os pais conhecem. Apenas o fazem num período mais curto do que os seus antecessores. No caso das relações formais, os livros e outros materiais são importantes para passar o conhecimento das gerações passadas para as mais novas. No caso das relações informais, os livros e outros materiais servem de auxiliares do que há-de ser descoberto (por exemplo, na prática, na vida do dia a dia).

Nas culturas formais, os livros, os professores e as famílias são os instrumentos através dos quais as novas gerações aprendem a resolver os problemas do dia a dia. Nas culturas informais tudo e cada um pode ser a “coisa” que ajuda alguém a ficar preparado para a vida. Nas culturas formais, as relações são estritamente preestabelecidas e as crianças sabem como comportar-se. Nas informais, as crianças aprendem experimentando. As relações são menos rigorosamente preestabelecidas.

Nas culturas em que se cultiva a distância (culturas formais) é clara a sanção a aplicar quando o aluno não se comporta bem. Nas culturas em que se cultiva menos a distância, o professor pondera a melhor forma de o castigar, estando esta ponderação relacionada com objectivos educacionais de justiça.

Os professores são assim preparados hoje em dia. Houve um tempo (as décadas de 70 e 80), em que a formação do professor não acompanhava as mudanças nas sociedades informais. Os professores eram formados como se tivessem de dar aulas em sociedades formais. Não aprendiam a lidar com negociações, com os limites a colocar ao comportamento, com modos de usar os livros e outros materiais. A partir deste século, as sociedades informais podem esperar que a formação dos seus professores acompanhe mais ou menos o que se passa nas sociedades que cultivam menos a distância.

O que vemos nos países em que há uma estrutura de educação formal é uma evolução num sentido de maior informalidade, de maior negociação sobre tarefas e actividades e uma atitude menos formal do professor para com os alunos. A razão para isto é talvez a União Europeia, em que há contactos muito mais intensivos no domínio da formação do que no passado.

Não obstante, temos de reconhecer que genericamente há diferenças importantes, por exemplo, entre o Norte e o Sul da Europa.

3.b. Mudanças nas competências esperadas dos professores na Europa

Nos últimos 10 anos, os especialistas em educação concentraram-se fortemente na profissão de professor. Retrospectivamente, acreditava-se, nos anos 70, que a reforma da educação tinha de ser a reforma do currículo. A definição de objectivos também se tornava cada vez mais importante. Em todos esses anos o professor estava como que fora do campo visual. Só a partir dos anos 90 é que as competências e conhecimento dos professores passaram a ser objecto de investigação. Foram publicados os primeiros estudos sobre o modo como as novas gerações eram formadas. Esta questão permanece em aberto e os especialistas concentram-se agora no “novo” professor.

Como se sabe, o construtivismo é uma teoria que é hoje reconhecida em toda a Europa e é responsável pela concepção de centralidade do aluno, ou melhor, da aprendizagem da criança com este quadro de referência. As pessoas constróem o saber e acrescentam novo saber, não sem significado, mas, pelo contrário, sobretudo saber que tenha significado.

O conhecido psicólogo da aprendizagem holandês Carel von Parreren e seu discípulo Vygotsky descreveram esta forma de aprender, já nos anos 70, e, mais tarde, nas suas publicações para candidatos ao ensino das Escolas Normais.

O construtivismo teve consequências para a formação de professores, em geral, e para professores de ETP, em especial.

Um outro desenvolvimento neste domínio é o enfoque em “competências”. Também por toda a Europa os especialistas da educação se foram cada vez mais concentrando nas competências dos professores, o que está intimamente relacionado com os desenvolvimentos da moderna psicologia da aprendizagem no domínio do referido construtivismo.

Na Holanda há publicações que mencionam 5, outras 7 e outras, até mesmo, 9 competências, que terão sido identificadas para os professores.

Uma competência é a capacidade de executar tarefas e resolver problemas que fazem parte de um cargo ou papel profissional, mobilizando um conjunto de saberes, técnicas e qualidades pessoais numa situação de trabalho complexa.[2]

Para a análise das competências globais, distinguimos 7 domínios:

-       o domínio pedagógico,

-       competência científica na disciplina,

-       relações interpessoais,

-       o domínio organizacional

-       o da cooperação com os colegas e

-       da cooperação com o meio e, por fim,

-       o da reflexão sobre o desenvolvimento profissional.

Estas competências, em conjunto com os novos desenvolvimentos da psicologia da aprendizagem, são indiscutivelmente relevantes para o campo do ETP.

No capítulo 1 (ponto 3) descrevemos a abordagem orientada para o desenvolvimento (OGO) na Holanda. Esta abordagem da educação de crianças entre os 4 e os 12 anos de idade é, de certo modo, um conceito que advém dos referidos novos desenvolvimentos do construtivismo e das competências dos professores e com eles se relaciona.

Eis algumas características-chave do ensino orientado para o desenvolvimento:

-       A aprendizagem fomenta a participação em actividades estruturadas, como, por exemplo, o ensino

-       A aprendizagem é um processo de construção social

-       A pedagogia, a didáctica e a metodologia da disciplina não podem estar separadas, estão inter-relacionadas.

-       O conteúdo de aprendizagem tem sempre um significado pessoal

-       A aprendizagem é produção que se baseia na investigação.

As suas consequências para o currículo são as seguintes:

a. O currículo é construído por actividades significativas. Os objectivos decorrem destas actividades significativas (enquanto que no passado começávamos pelos objectivos). A construção do currículo resulta da colaboração entre professor e alunos. Ambos se encontram num processo de construção recíproco.

b. Os alunos, as crianças, são produtores de resoluções de problemas. Produzem investigação e produtos concretos.

c. (...)[3]

3.c. O papel esperado do professor de ETP

Depois de uma breve descrição das competências do professor, em geral, poder-se-á descrever do seguinte modo as tarefas de um professor, em relação à sua disciplina:

-       Despertar e desenvolver a motivação e o empenhamento na aprendizagem;

-       Incentivar o aluno a progredir no seu desenvolvimento;

-       Ensino planeado através de objectivos externamente definidos;

-       Orientado para o desenvolvimento, através do jogo, e orientado para a tarefa, através da aprendizagem;

-       Projectar meios adaptados às crianças individualmente e às diferenças entre elas;

-       Compreender o essencial da disciplina e relacioná-lo com o mundo emocional e experiencial da criança;

-       Acrescentar e adaptar os recursos educativos às necessidades e estilos de aprendizagem das crianças, em concordância com os objectivos do ensino[4].

Os requisitos específicos dos professores do domínio da ETP são equivalentes às competências essenciais que os alunos têm de adquirir (vide Capítulo 1, ponto 3.5), o que significa que estas têm também de ser exigidas aos professores. Aqui se transcrevem as que foram referidas no Capítulo 1:

-       autodomínio

-       curiosidade

-       autoconfiança

Estas características essenciais são objectivas e válidas para o desenvolvimento e a aprendizagem no ensino primário e para todo o processo de aprendizagem.

As competências são necessárias para que as crianças iniciem o seu desenvolvimento da personalidade e aprofundem a sua autonomia.

Distinguimos aqui:

A. Ser activo, tomar a iniciativa, fazer planos

B. Comunicação e linguagem

C. Brincar e trabalhar em conjunto

D. Descobrir o mundo

E. Auto-representação e criação

F. Fantasia e criatividade

G. Compreender símbolos, signos e significados

H. Reflexão

I. Investigar, argumentar e resolver problemas.

Uma primeira identificação das competências dos professores no campo da ETP como conclusão desta secção:

Os professores devem ter:

-       autodomínio;

-       autonomia;

-       curiosidade;

-       atitude positiva face a novos desenvolvimentos;

-       autoconfiança

-       competência científica e técnica no domínio do ETP

-       abertura a perguntas e necessidades de crianças e colegas (nacionais e internacionais).

3.d. O que tem de ser mudado para que se desenvolva uma atitude adequada ao ETP

Resumidamente, há, na prática diária, muitos obstáculos à exigência das competências de professores de ETP, como as acima descritas.

-       Em primeiro lugar, há a barreira cultural. Modos de ensinar a que nos habituámos  e que têm as suas raízes na cultura nacional são muito difíceis de mudar. É preciso, por vezes, esperar pela melhor oportunidade. Acreditamos que a oportunidade já tenha chegado. Acreditamos que também os professores de culturas mais formais possam tornar-se independentes das regras, possam experimentar coisas novas e pensar de forma autónoma.

-       Em segundo lugar, há uma atitude geral das pessoas, uma atitude culturalmente determinada, quanto ao que é próprio de rapazes e próprio de raparigas e quanto ao que rapazes e raparigas pensam sobre isso (vide Falco de Klerk Wolters, A PATT study among 10-12 year old students in the Netherlands, Journal of Technology Education, Vol. 1, Nr 1, Fall 1989)[5].

-       Em terceiro lugar, há uma barreira entre pedagogos e suas teorias sobre o modo como as crianças se desenvolvem e em que idade se pode começar a estimular novos desenvolvimentos. A este propósito, é importante ter conhecimento sobre a “zona de desenvolvimento próximo” (Vygotsky).

-       Em quarto lugar, o conhecimento (ou a falta dele) é também um obstáculo para os professores no domínio do ETP. Além do conhecimento, os professores também sentem a falta da experiência. Como os professores são, em geral, pessoas activas, propomos que eles aprendam, fazendo ou observando os colegas a trabalhar com as crianças. Isto é motivador e este processo de formação profissional pode ser muito eficaz. Para lá do que se deverá referir a indispensabilidade da aquisição do conhecimento teórico.

-       Um quinto obstáculo é a falta de novo input. Cremos que, depois de começar, os professores necessitam de apoio e novas ideias e certamente também de intercâmbio de experiências. O intercâmbio de ideias é muito importante e aquirir bons exemplos de prática é o mínimo que se pode esperar.

-       Um último obstáculo pode ser o facto de não haver um tempo dedicado à ET(P) no currículo. Como já dissemos, pensamos que a ET(P) pode e deve ser incluída em outras actividades/disciplinas.

 



[1] Geert Hofstede, Allemaal Andersdenkenden, Londen 1991 Traduzido para muitas línguas. Inglês: Cultures and Organizations, Software of the Mind, London 1991; ou edições posteriores.

[2] C. Vreugdenhil, Pre - and basic competencies for primary school teachers, versão provisória da comunicação em Holandês, EDUCOM, The Hague 2003, p.2.

[3] N. Fijma, B. Pompert, Naar een vormende lerarenopleiding door betekenisvolle activiteit.

[4] C. Vreugdenhil, Pre - and basic competencies for primary school teachers, versão provisória da comunicação, EDUCOM, The Hague 2003, p.14

[5] Note-se que esta fonte data de 1989. Pensamos que a atitude poderá ter entretanto mudado.